Osório: travessia lacustre em homenagem aos náufragos de 1947
“Eu já fui e voltei 4 vezes, ainda não chegou a minha hora.”
José, o pescador.
Ele diz ser de gêmeos, (não, não se trata de signo, ele tem um irmão gêmeo) e atravessou comigo hoje a remo de taquara, quando muitos preferem o barulho do motor, a Lagoa do Marcelino, do Peixoto até o canal de entrada da Pinguela, em Osório, quando o vento Minuano interrompeu nosso destino exatamente no mesmo ponto dos náufragos de
1947, tragédia esta da qual o tio do José escapou com vida, apesar de queimado, após subir a caldeira do barco Gonçalves. Tivemos maior sorte.
Há partidas com retorno, outras não.
Semana passada o beija-flor, barco do José, havia sido roubado, quase cancelamos nossa travessia. Mas José não desistiu. Seu Marino, amigo pescador, acabou avistando o beija-flor vagando sem dono sobre as águas da Pinguela, que seria nosso destino e retorno. Entendemos que ele quis ir antes de nós, talvez estivesse abrindo caminho no junco.
Hoje, transportados pelo beija-flor resgatado, nosso limite não foi a Pinguela almejada, mas a lagoa do Peixoto, nome este que sempre me lembra Mário Peixoto e o filme Limite. No limite de Peixoto descemos e amarramos o beija-flor numa árvore costeira, esperamos a força do vento baixar, mas ele seguiu soprando forte, varrendo as nuvens do céu e modelando carneiros nas águas. À nossa frente, durante a espera, uma roda de gente se formava, pareciam animados, de túnica branca banhavam-se em ritual na lagoa, ignorando o frio trazido pelo Minuano. Era dia de batismo. Para eles e para nós.
Uma viagem só de ida, voltamos para casa por terra, mas com os pés molhados.